CARTA ABERTA AOS POLÍTICOS DO MEU PAÍS
Depois de
dominados os incêndios em Pedrogão Grande e em Góis, depois de começarem a ser
realizados os funerais das pessoas que neles pereceram, depois das televisões
partirem para outros sensacionalismos e para outras notícias especulativas,
penso ser chegada a altura de fazer alguns comentários ao que ocorreu nos
últimos dias trágicos. Confesso que pensei muito nesta questão e na forma de a
abordar mas, por mais que tentasse abordar este assunto doutros ângulos,
encaminhou-se sempre para o reduto dos políticos portugueses.
Porquê?
Porque são eles que andam a esgrimir argumentos há décadas sobre esta matéria
sem nunca lhe terem dado a devida relevância. Sendo eu um optimista, não
acredito que os políticos relevem que este assunto após esta tragédia – já
existiram outras anteriores e nada ou pouco foi decidido e feito. Ver para
crer!
O meu
distanciamento dos partidos políticos e a minha ligação profissional desde há
muito tempo à segurança contra incêndio em edifícios (não sendo bem a mesma
área dos incêndios florestais), quiçá me permitirão falar um pouco mais á
vontade sobre este tema e sobre esta área da segurança.
AS
MORTES (QUASE) ANÓNIMAS
2017 - 64 vítimas mortais, entre as
quais um bombeiro
2016 – 3 vítimas mortais
2013 – 9 vítimas mortais, entre os
quais 8 bombeiros
2012 – 6 vítimas mortais, entre os
quais 4 bombeiros
2006 – 5 vitimas mortais, bombeiros
chilenos que ajudavam no combate ao fogo
2003 – 18 vítimas mortais
1986 – 13 vitimas mortais
1985 – 14 vítimas mortais, todos eles
bombeiros
Será que iremos assistir, ano após
ano, à morte de pessoas sem que pouco ou nada seja feito?
OS POLÍTICOS
Todos os
quadrantes políticos da área da governação nas últimas décadas em Portugal são,
a meu ver, responsáveis por esta e pelas anteriores tragédias que ocorreram.
Por entre decapitações orçamentais, falta de equipamentos nos meios de socorro
(como aconteceu há uns anos) e falta de vontade política em abordar e resolver
estas questões que, diga-se de passagem, não dá muitos votos aos partidos
políticos, situa-se a génese desta questão. Este é o problema fulcral. Tudo o resto vem a seguir!
Depois
das mortes, dos enormes prejuízos na nossa economia, do património florestal
delapidado, da falta de proteção das pessoas e das povoações, não serão os
nossos políticos (assembleia da república e autarcas) os responsáveis em
primeiríssima instância?
A
legislação em vigor nem sequer é cumprida. Quantos senhores autarcas têm um
plano de risco de incêndio actualizado do seu concelho, que possa servir de
base a uma prevenção eficaz destes incêndios? Porque é que não são aplicadas as
coimas previstas na lei para quem não limpa a floresta, Estado incluído? Para
quando um cadastro da floresta em Portugal que permita saber a quem pertencem
os terrenos e a quem imputar responsabilidades pela limpeza das matas? Para
quando uma política de ordenamento florestal eficaz?
Porque
é que a justiça não atua eficazmente sobre os incendiários (se a lei é
desadequada, mude-se!...)?
Há
anos que os nossos políticos falam nisto mas as decisões que poderiam ter um
verdadeiro impacto na situação dos incêndios em Portugal estão por tomar! A resposta está na PREVENÇÃO!
OS BOMBEIROS
É
importante que se diga que a esmagadora maioria dos Bombeiros em Portugal são
voluntários. São pessoas altruístas que dão a vida por outros em cumprimento do
seu lema “ Vida por Vida”. Com a quantidade de fogos e de mortes que todos os
anos ocorrem nosso país penso que é perfeitamente justificável o
profissionalismo dos Bombeiros, aliás, conforme muita gente tem sugerido há
muitos anos. Os Bombeiros pouco ou nada podem fazer nos incêndios de grandes
dimensões. Nestes casos, são os meios aéreos que assumem importância no combate.
Os nossos políticos ainda não concluíram se se justifica aplicar meios
financeiros neste propósito? Revejam as mortes e os prejuízos causados pelos
incêndios ao país, ano após ano. Tenho sérias dúvidas que o aluguer anual dos
meios aéreos, com contratos sempre ensombrados por negociatas vantajosas para
alguém, em detrimento da sua compra, seja a situação mais vantajosa para o
Estado,
Na semana
passada, num debate em Lisboa sobre o incêndio na torre Grenfell em londres, um
elemento de uma corporação de Bombeiros do norte queixava-se que, com a exceção
das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, não conseguia que a Escola
Nacional de Bombeiros o incluísse nas ações de formação. Tinha solicitado
formação a esta entidade há mais de 2 anos e ainda não tinha conseguido uma
resposta. E não devemos esquecer que estamos a falar de Bombeiros Voluntários e
não profissionais! Em conversa posterior, o que ficou implícito foi que fora
das 2 grandes áreas metropolitanas, as corporações do resto do país não
conseguem a formação necessária. Que raio de país é este?
A ANPC – AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO CIVIL
Sendo esta
a entidade nacional diretamente implicada na proteção civil e, mais uma vez,
tendo eu por força da minha profissão, contacto direto com os CDOS-Comandos
Distritais de Operações de Socorro de muitos dos distritos do nosso país e
ainda com os debates e palestras que tenho frequentado, apercebo-me que os
cortes orçamentais impostos pelo poder político (principalmente pelos últimos
governos) diminuiu significativamente a sua capacidade operacional e
interventiva.
No caso
concreto dos edifícios, não têm sido realizadas inspeções com mais frequência
por existirem meios humanos insuficientes. Um destes dias, a tragédia irá ser
num edifício e não na floresta – longe vá o agoiro!
O SIRESP E OUTRA VEZ… OS POLÍTICOS!
O SIRESP-Sistema
Integrado de Redes de Emergência e Segurança em Portugal, a rede de
comunicações usada pelo INEM, polícias e Bombeiros, nasceu de mais uma parceria
público-privada promovida pelo Ministério da Administração Interna que custou
mais do que parece merecer. Na situação em que não devia falhar, falha (a lei
de Murphy deveria ter passado ao lado)! Em anos anteriores foram verificadas
falhas nesta rede: em 2016 verificou-se ausência de sinal ou sinal insuficiente
em alguns pontos do território nacional, em 2014 verificou-se a ausência de
sinal em elevadores e garagens e em alguns hospitais…
Socorrendo-me
de uma artigo publicado hoje no público podemos analisar perfeitamente como o
SIRESP foi criado. Claro está, tudo factos políticos!
“Em 2005, o
ministro da Administração Interna Daniel Sanches – que trabalhava para a SLN
antes de integrar o governo – e o ministro das Finanças Bagão Félix adjudicaram
o negócio por mais de 500 milhões de euros, três dias depois de Pedro Santana
Lopes perder as eleições para José Sócrates. Num primeiro momento, António
Costa, ministro da Administração Interna de Sócrates, travou a adjudicação, mas
acabou por fechar o negócio por 458 milhões. Juntando-lhe as despesas de
operação e manutenção são 600 milhões de euros até 2021 por um sistema
miserável. Acham mesmo que esta tragédia não tem implicações políticas? Claro
que tem. E não são poucas.…”
“…O SIRESP
voltou a falhar no incêndio de Pedrógão Grande. Existem quatro unidades móveis
que podem ser activadas para responder a quebras do sistema, por destruição das
torres fixas – que são mantidas, imaginem, pela MEO. Duas dessas unidades são
ligeiras mas não dispõem de ligações por satélite. Restam duas unidades
pesadas, uma mantida pela GNR, outra pela PSP. A que é mantida pela GNR estava
indisponível: aquando da visita do Papa, há cinco semanas, danificou uma das
antenas em Fátima, e pelos vistos as antenas de uma rede de emergência demoram
tanto a ser arranjadas como as escadas rolantes da Baixa/Chiado. Sobrava a
unidade da PSP – e lá foi ela. Chamada às 23 horas de sábado só conseguiu
restabelecer as comunicações às oito horas de domingo. É isto o SIRESP.”
TEMPO DE RESPOSTAS CLARAS E OBJETIVAS!
Algo de
errado se passou neste incêndio em Pedrogão. Falha de comunicações, inoperância
de algumas entidades, falta de coordenação… Espero que sejam apuradas
responsabilidades de todas as entidades mas desde já, saltam várias questões
sem resposta.
- Porque é que a estrada EN 236 não foi
fechada antecipadamente ao trânsito? É certo que a GNR não recebeu essa
informação da ANPC… Porquê?
- Tendo em conta o início do incêndio, porque
é que a resposta da ANPC chegou tão atrasada? Será que não existiu uma correta
e atempada avaliação da situação no terreno?
- Existiu ou não falta de coordenação entre
todas as entidades envolvidas? Parece-me evidente que sim.
…E AINDA OS POLÍTICOS
Mais uma
comissão de inquérito, desta vez “independente” para analisar o que ocorreu em
Pedrogão, mais uns meses para obter respostas - conclusivas ou não - sobre o
que ocorreu. E ainda agora o verão de 2017 chegou… E também virá mais um verão
em 2018… com tudo na mesma!
Já agora
lanço daqui uma questão frontal aos nossos governantes, talvez se evite uma
tragédia um dia destes: o documento com as alterações propostas ao RTSCIE - Regulamento
de Segurança Contra Incêndio em Edifícios (Portaria 1532/2008, de 29 de
dezembro) está algures nos corredores ou nas gavetas de S. Bento vai para quase
2 anos (seguramente há mais de um ano) para ser promulgado. Essas alterações
visam clarificar várias situações técnicas do regulamento original e introduzir
melhoramentos na prevenção dos incêndios em edifícios no nosso país. V. Exas ainda
continuam a analisar essas alterações? Se trabalhassem numa empresa privada,
das tais que criam riqueza no país, concerteza que ao fim deste tempo todo o
vosso lugar já estaria vago.
Claro que,
mais uma vez, os políticos do PS, do PSD e do CDS que governaram o país ao
longo destes anos estão no cerne destes acontecimentos. De nada vale assobiar
para o lado e fingir que não é nada com eles. Se assumem, desta vez, essa
responsabilidade é outro assunto. Não acredito que o façam.
Assim vai
este país à beira mar plantado!