17/02/2009

Movimento perpétuo


"Enorme, desajeitado, com o eterno sorriso tímido de quem pede desculpa por existir. Sentou-se, aconchegou a guitarra a si, agarrou-se à guitarra e a guitarra a ele,, passaram a ser um corpo único, um só tronco de música e de raiva, de sonho e de melodia, de angústia e de esperança, exprimindo por sons tanta coisa que nós não tínhamos palavras para dizer!"

Carlos Paredes foi assim recordado por José Carlos Vasconcelos após ter assistido no Teatro Avenida a uma inesquecível festa da Tomada da Bastilha, na Coimbra dos anos 60.

Tentaram ensinar-lhe piano e violino, mas "por preguiça", "não se ajeitou aos instrumentos.". "A minha mãe, coitadinha, arranjou-me duas professoras. Eram senhoras muito cultas, a quem devo a cultura musical que tenho. Passávamos horas a conversar e uma delas murmurava: "Não sei o que hei-de dizer aos seus pais!". Mas aprendi muito com elas.", costumava contar.

Seu pai, Artur Paredes, resgatou-o das aulas de piano e violino para a guitarra. Artur Paredes foi um guitarrista genial e de grande virtuosismo na composição e na interpretação dos seus temas. Ele deu à guitarra de Coimbra novas sonoridades através da sua persistente pesquisa da perfeição. Como grande perfeccionista que era, trabalhava as suas composições até à exaustão e só as apresentava publicamente quando decidia estarem rigorosamente perfeitas. Temas como Desfolhada, Variações em Ré Menor Nº 2, Variações em Mi Maior, Passatempo, Balada do Mondego, entre outras, são consideradas o que de melhor se compôs, em termos de qualidade musical, na guitarra portuguesa. Artur Paredes seguiu a veia musical que a guitarra tinha na sua família, depois de seu avô, Manuel Paredes, e de seu pai, Gonçalo Paredes. Foi a acompanhá-lo que Carlos começou a dar os primeiros acordes.

Carlos Paredes era uma pessoa que dava particular atenção a tudo o que o rodeava, que cultivava as relações humanas retirando daí toda a experiência que transportava para a guitarra. Comunicava com a guitarra e pela guitarra, como quem conta uma história, como quem lê um livro. Fazer música era um acto de prazer, um acto de amor. "Para se fazer música com prazer tem muita importância a amizade entre as pessoas. Não se pode fazer música friamente e com cálculo, profissionalmente, no mau sentido, a receber X à hora. Não pode ser assim!"

O seu virtuosismo, a sua criatividade e a sua genialidade abriram horizontes à guitarra portuguesa. A técnica que desenvolveu na composição e na interpretação permitiu-lhe atingir a originalidade, a emotividade e a genialidade cujo acesso a guitarra não ousava alcançar. Da sua guitarra não saem simples notas musicais mas histórias que nos transportam para um universo maravilhoso de fantasia.

O Carlos era um contador de histórias. Agarrou-se à vida, às pessoas e aos lugares para passar sobre eles um manto de pureza com que fazia a sua versão dos seus momentos de reflexão.

A 16 de Fevereiro de 1925, nascia em Coimbra um génio criador que mudaria o universo da guitarra portuguesa e da "poesia" em Portugal. A grandeza da sua modéstia e a da sua humildade só são inversamente comparáveis ao seu enorme talento. Neste 83º aniversário do seu nascimento, estou certo que não quereria muitas comemorações. Apenas lhe devemos o favor de o ouvir e de tocar as suas composições! Apenas lhe devemos o favor de não o esquecermos!

"Um génio, eu? Não, sou só um homem igual aos outros. Geniais são as pessoas que respeitamos muito!"

Perpetuamente em movimento...

Artur Mesquita

1 comentário:

  1. O expoente máximo da guitarra Portuguesa. Um Génio!
    Tive o previlégio de assistir ao vivo a um dos seus concertos. Volvidos mais de 15 anos, ainda me recordo das sensações sentidas...Há momentos assim, que nos tocam a Alma e perduram pela vida fora...

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