28/06/2017





CARTA ABERTA AOS POLÍTICOS DO MEU PAÍS

Depois de dominados os incêndios em Pedrogão Grande e em Góis, depois de começarem a ser realizados os funerais das pessoas que neles pereceram, depois das televisões partirem para outros sensacionalismos e para outras notícias especulativas, penso ser chegada a altura de fazer alguns comentários ao que ocorreu nos últimos dias trágicos. Confesso que pensei muito nesta questão e na forma de a abordar mas, por mais que tentasse abordar este assunto doutros ângulos, encaminhou-se sempre para o reduto dos políticos portugueses.
Porquê? Porque são eles que andam a esgrimir argumentos há décadas sobre esta matéria sem nunca lhe terem dado a devida relevância. Sendo eu um optimista, não acredito que os políticos relevem que este assunto após esta tragédia – já existiram outras anteriores e nada ou pouco foi decidido e feito. Ver para crer!
O meu distanciamento dos partidos políticos e a minha ligação profissional desde há muito tempo à segurança contra incêndio em edifícios (não sendo bem a mesma área dos incêndios florestais), quiçá me permitirão falar um pouco mais á vontade sobre este tema e sobre esta área da segurança.


AS MORTES (QUASE) ANÓNIMAS
2017 - 64 vítimas mortais, entre as quais um bombeiro
2016 – 3 vítimas mortais
2013 – 9 vítimas mortais, entre os quais 8 bombeiros
2012 – 6 vítimas mortais, entre os quais 4 bombeiros
2006 – 5 vitimas mortais, bombeiros chilenos que ajudavam no combate ao fogo
2003 – 18 vítimas mortais
1986 – 13 vitimas mortais
1985 – 14 vítimas mortais, todos eles bombeiros
Será que iremos assistir, ano após ano, à morte de pessoas sem que pouco ou nada seja feito?


OS POLÍTICOS
Todos os quadrantes políticos da área da governação nas últimas décadas em Portugal são, a meu ver, responsáveis por esta e pelas anteriores tragédias que ocorreram. Por entre decapitações orçamentais, falta de equipamentos nos meios de socorro (como aconteceu há uns anos) e falta de vontade política em abordar e resolver estas questões que, diga-se de passagem, não dá muitos votos aos partidos políticos, situa-se a génese desta questão. Este é o problema fulcral. Tudo o resto vem a seguir!
Depois das mortes, dos enormes prejuízos na nossa economia, do património florestal delapidado, da falta de proteção das pessoas e das povoações, não serão os nossos políticos (assembleia da república e autarcas) os responsáveis em primeiríssima instância?
A legislação em vigor nem sequer é cumprida. Quantos senhores autarcas têm um plano de risco de incêndio actualizado do seu concelho, que possa servir de base a uma prevenção eficaz destes incêndios? Porque é que não são aplicadas as coimas previstas na lei para quem não limpa a floresta, Estado incluído? Para quando um cadastro da floresta em Portugal que permita saber a quem pertencem os terrenos e a quem imputar responsabilidades pela limpeza das matas? Para quando uma política de ordenamento florestal eficaz?
Porque é que a justiça não atua eficazmente sobre os incendiários (se a lei é desadequada, mude-se!...)?
Há anos que os nossos políticos falam nisto mas as decisões que poderiam ter um verdadeiro impacto na situação dos incêndios em Portugal estão por tomar! A resposta está na PREVENÇÃO!


OS BOMBEIROS
É importante que se diga que a esmagadora maioria dos Bombeiros em Portugal são voluntários. São pessoas altruístas que dão a vida por outros em cumprimento do seu lema “ Vida por Vida”. Com a quantidade de fogos e de mortes que todos os anos ocorrem nosso país penso que é perfeitamente justificável o profissionalismo dos Bombeiros, aliás, conforme muita gente tem sugerido há muitos anos. Os Bombeiros pouco ou nada podem fazer nos incêndios de grandes dimensões. Nestes casos, são os meios aéreos que assumem importância no combate. Os nossos políticos ainda não concluíram se se justifica aplicar meios financeiros neste propósito? Revejam as mortes e os prejuízos causados pelos incêndios ao país, ano após ano. Tenho sérias dúvidas que o aluguer anual dos meios aéreos, com contratos sempre ensombrados por negociatas vantajosas para alguém, em detrimento da sua compra, seja a situação mais vantajosa para o Estado,
Na semana passada, num debate em Lisboa sobre o incêndio na torre Grenfell em londres, um elemento de uma corporação de Bombeiros do norte queixava-se que, com a exceção das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, não conseguia que a Escola Nacional de Bombeiros o incluísse nas ações de formação. Tinha solicitado formação a esta entidade há mais de 2 anos e ainda não tinha conseguido uma resposta. E não devemos esquecer que estamos a falar de Bombeiros Voluntários e não profissionais! Em conversa posterior, o que ficou implícito foi que fora das 2 grandes áreas metropolitanas, as corporações do resto do país não conseguem a formação necessária. Que raio de país é este?


A ANPC – AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO CIVIL
Sendo esta a entidade nacional diretamente implicada na proteção civil e, mais uma vez, tendo eu por força da minha profissão, contacto direto com os CDOS-Comandos Distritais de Operações de Socorro de muitos dos distritos do nosso país e ainda com os debates e palestras que tenho frequentado, apercebo-me que os cortes orçamentais impostos pelo poder político (principalmente pelos últimos governos) diminuiu significativamente a sua capacidade operacional e interventiva.
No caso concreto dos edifícios, não têm sido realizadas inspeções com mais frequência por existirem meios humanos insuficientes. Um destes dias, a tragédia irá ser num edifício e não na floresta – longe vá o agoiro!


O SIRESP E OUTRA VEZ… OS POLÍTICOS!
O SIRESP-Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança em Portugal, a rede de comunicações usada pelo INEM, polícias e Bombeiros, nasceu de mais uma parceria público-privada promovida pelo Ministério da Administração Interna que custou mais do que parece merecer. Na situação em que não devia falhar, falha (a lei de Murphy deveria ter passado ao lado)! Em anos anteriores foram verificadas falhas nesta rede: em 2016 verificou-se ausência de sinal ou sinal insuficiente em alguns pontos do território nacional, em 2014 verificou-se a ausência de sinal em elevadores e garagens e em alguns hospitais…
Socorrendo-me de uma artigo publicado hoje no público podemos analisar perfeitamente como o SIRESP foi criado. Claro está, tudo factos políticos!
“Em 2005, o ministro da Administração Interna Daniel Sanches – que trabalhava para a SLN antes de integrar o governo – e o ministro das Finanças Bagão Félix adjudicaram o negócio por mais de 500 milhões de euros, três dias depois de Pedro Santana Lopes perder as eleições para José Sócrates. Num primeiro momento, António Costa, ministro da Administração Interna de Sócrates, travou a adjudicação, mas acabou por fechar o negócio por 458 milhões. Juntando-lhe as despesas de operação e manutenção são 600 milhões de euros até 2021 por um sistema miserável. Acham mesmo que esta tragédia não tem implicações políticas? Claro que tem. E não são poucas.…”
“…O SIRESP voltou a falhar no incêndio de Pedrógão Grande. Existem quatro unidades móveis que podem ser activadas para responder a quebras do sistema, por destruição das torres fixas – que são mantidas, imaginem, pela MEO. Duas dessas unidades são ligeiras mas não dispõem de ligações por satélite. Restam duas unidades pesadas, uma mantida pela GNR, outra pela PSP. A que é mantida pela GNR estava indisponível: aquando da visita do Papa, há cinco semanas, danificou uma das antenas em Fátima, e pelos vistos as antenas de uma rede de emergência demoram tanto a ser arranjadas como as escadas rolantes da Baixa/Chiado. Sobrava a unidade da PSP – e lá foi ela. Chamada às 23 horas de sábado só conseguiu restabelecer as comunicações às oito horas de domingo. É isto o SIRESP.”


TEMPO DE RESPOSTAS CLARAS E OBJETIVAS!
Algo de errado se passou neste incêndio em Pedrogão. Falha de comunicações, inoperância de algumas entidades, falta de coordenação… Espero que sejam apuradas responsabilidades de todas as entidades mas desde já, saltam várias questões sem resposta.
 - Porque é que a estrada EN 236 não foi fechada antecipadamente ao trânsito? É certo que a GNR não recebeu essa informação da ANPC… Porquê?
 - Tendo em conta o início do incêndio, porque é que a resposta da ANPC chegou tão atrasada? Será que não existiu uma correta e atempada avaliação da situação no terreno?
 - Existiu ou não falta de coordenação entre todas as entidades envolvidas? Parece-me evidente que sim.


…E AINDA OS POLÍTICOS
Mais uma comissão de inquérito, desta vez “independente” para analisar o que ocorreu em Pedrogão, mais uns meses para obter respostas - conclusivas ou não - sobre o que ocorreu. E ainda agora o verão de 2017 chegou… E também virá mais um verão em 2018… com tudo na mesma!
Já agora lanço daqui uma questão frontal aos nossos governantes, talvez se evite uma tragédia um dia destes: o documento com as alterações propostas ao RTSCIE - Regulamento de Segurança Contra Incêndio em Edifícios (Portaria 1532/2008, de 29 de dezembro) está algures nos corredores ou nas gavetas de S. Bento vai para quase 2 anos (seguramente há mais de um ano) para ser promulgado. Essas alterações visam clarificar várias situações técnicas do regulamento original e introduzir melhoramentos na prevenção dos incêndios em edifícios no nosso país. V. Exas ainda continuam a analisar essas alterações? Se trabalhassem numa empresa privada, das tais que criam riqueza no país, concerteza que ao fim deste tempo todo o vosso lugar já estaria vago.
Claro que, mais uma vez, os políticos do PS, do PSD e do CDS que governaram o país ao longo destes anos estão no cerne destes acontecimentos. De nada vale assobiar para o lado e fingir que não é nada com eles. Se assumem, desta vez, essa responsabilidade é outro assunto. Não acredito que o façam.

Assim vai este país à beira mar plantado!

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